Por Matheus Rodrigues, G1 Rio
Um soldado do 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista decidiu não seguir em frente na carreira militar após sofrer torturas dentro das dependências do Exército. O caso, divulgado pelo colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, aconteceu em maio de 2016, mas uma ação judicial, aberta pelo advogado da vítima, ainda tramita na Justiça Federal.
Na época, um grupo de cabos convocou o calouro para passar por um trote. Ele foi levado para o alojamento de seus superiores onde diz ter sido imobilizado, derrubado e, em seguida, agredido. Os momentos de terror foram relatados pelo soldado e, segundo ele, eram diários.
“Teve um dia que eu tentei fugir do trote e me levaram para o alojamento deles. Chegando lá tinha cerca de 15 a 18 cabos. Me amarraram, fecharam as janelas e portas, e quando eu caí no chão começaram as agressões. Eu gritei muito, mas não foi motivo para eles pararem. Eu fui agredido na frente de outro soldado e ele desmaiou (…) Isso já é conhecido por lá. Eles pegam os soldados aos poucos. Todos que se formam sofrem esse trote. Os que se formaram comigo também passaram por isso”, disse a vítima das agressões.
O advogado do soldado, Marcelo Figueira, afirmou ao G1 que os agressores usaram pedaços de madeira, fios cortados e cordas. Os golpes e a tortura resultaram em uma cirurgia onde o soldado teve que retirar um dos testículos.
Após ser submetido ao procedimento cirúrgico, o soldado recebeu alta médica. Ele disse que foi obrigado a voltar a prestar seus serviços. A experiência de reencontrar os agressores no Exército causou uma instabilidade psicológica no soldado. Na época, a vítima chegou a ser perseguida e ameaçada pelos superiores.
“Depois que eu recebi alta da cirurgia, eu tive que voltar para lá, eu convivi com os agressores diariamente. Eu sofri pressão psicológica. Eles me perseguiam, ameaçavam. Foi quando eu comecei a ter acompanhamento psiquiátrico. O meu psiquiatra pediu para que eu fosse afastado. Comecei a tomar medicamento controlado (…) Desde a agressão, eles falavam que eu não podia falar com ninguém, falavam que caso alguém visse era pra falar que fui assaltado, falava para usar a farda no corpo inteiro para tampar as marcas”, contou o soldado.
Oito indiciados e licenciados
O Comando Militar do Leste (CML) informou que oito envolvidos no caso foram indiciados em um Inquérito Policial Militar, que foi aberto para apurar as agressões. Além disso, estes oito militares foram licenciados em 28 de fevereiro de 2017. Já o soldado que foi espancado passa por atendimentos médico e psicológico.
Apesar do posicionamento, a vítima das agressões informou que fez denúncia contra 18 cabos que estiveram presentes no trote. No entanto, o Exército só acatou contra oito deles.
“Eu denunciei 18 cabos e eles aceitaram apenas a denúncia contra oito. Não afastaram todos, ainda tem agressores lá no batalhão. Atualmente, eu tenho medo de voltar para lá. Eu não consigo voltar para lá, não consigo entrar em contato com eles”, disse a vítima.
Medidas judiciais
O advogado do soldado, Marcelo Figueira, contou que a vítima teve coragem de enfrentar a situação e, após procurar o escritório, decidiu entrar com uma ação indenizatória contra a União.
“Ele teve a coragem de enfrentar essa situação. Entramos com uma ação indenizatória para reparação dos danos físicos, psicológicos e morais contra a União, através da 27ª Vara. Estamos aguardando a resposta do Exército no processo. Eles foram intimados e estamos aguardando a defesa deles”, disse o advogado.
Ao comentar a decisão do soldado, que prefere não ser identificado, o CML informou que “ao ajuizar ação indenizatória contra a União, o Soldado D. P. V. exerce um direito de cidadão, que será tratado pela Justiça Federal”.
Por fim, o Comando Militar do Leste afirmou que o “Exército Brasileiro rechaça veementemente a prática de maus-tratos ou de qualquer ato que viole direitos fundamentais dos militares em treinamento e cursos de formação”. Além disso, quando alguma irregularidade ou ilegalidade é identificada, o Exército “adota as medidas cabíveis, seja na esfera disciplinar ou administrativa, instaurando procedimento adequado para investigar e punir com rigor os responsáveis”.
O G1 entrou ainda em contato com o Ministério Público Federal (MPF), que apura outros casos de violência dentro de dependências militares. A Procuradoria da República no Rio informou que cinco procedimentos estão em andamento atualmente no MPF, na área de tutela coletiva por maus-tratos em instalações militares.
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